Presidente da Câmara Municipal de Uiraúna é afastado do cargo por decisão Judicial; Vereador irá recorrer da ação; CONFIRA
Segundo decisão proferida pelo Juiz Thiago Rabelo, da Comarca de Uiraúna, o presidente do legislativo local deve ser afastado do cargo pelo prazo de 180 dias por ato de improbidade administrativa e dano ao erário público.
O processo se deu por denúncia de fraude, ausência de processo licitatório para locação de veículo e a existência de superfaturamento do montante pago em contraprestação ao serviço.
Em sua decisão, o juiz afirma que o afastamento imediato do parlamentar é necessário para o bom andamento dos trabalhos da justiça no processo. Segundo a decisão, a “ permanência do requerente, a frente da câmara municipal e com o poder de voto do vereador causará risco diante da perpetuação de contratos administrativos ilegais e superfaturados”.
A sentença pede ainda que seja dada ciência dos fatos de forma urgente às instituições bancárias oficiais com as quais o Município mantém convênio, comunicando a proibição do representado em realizar qualquer tipo de transação.
A nossa reportagem entrou em contato com o presidente da câmara o mesmo disse que está recorrendo da decisão com seus advogados.
VEJA A SENTENÇA ABAIXO:
RELATÓRIO
Trata-se de Ação Civil Pública por atos de improbidade administrativa c/c obrigação de fazer
com pedido de tutela antecipada de urgência proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DA PARAÍBA, em
desfavor de AMILTON FERNANDES DA SILVA , Vereador e Presidente da Câmara Municipal de
Uiraúna/PB e JOSÉ VALDEMAR FILHO DUARTE, já qualificado nos autos.
Requereu o autor, em sede de pedido de tutela antecipada de urgência o afastamento de Amilton
Fernandes da Silva do cargo de vereador e, por consequência lógica, da função de presidente da câmara
municipal de vereadores de Uiraúna/PB.
Aduz o Ministério Público que no ano de 2019 foi instaurado o Inquérito Civil Público n. 046.2019.002894, com o objetivo de apurar irregularidades nas contratações de veículos pela Câmara Municipal de Uiraúna/PB, sendo colhidos elementos suficientes que demonstram a existência de pagamento de despesas não comprovadas e em valores superiores aos de mercado com serviços de contratação de automóveis e motocicletas.
No andamento do feito comprovou-se a ausência de processo licitatório para locação do veículo e a existência de superfaturamento do montante pago em contraprestação ao serviço. Ao final requer o afastamento do primeiro requerido do cargo e, no mérito, a condenação de ambos por ato de improbidade administrativa, diante do prejuízo ao erário causado. Diante da urgência, tratando de contratação sem licitação e fortes elementos de superfaturamento de contratos públicos, procedo ao contraditório diferido e passo a decidir a tutela de urgência requestada.
FUNDAMENTAÇÃO
A Constituição Federal, quando trata de independência e harmonia dos poderes/funções, sustenta o delicado equilíbrio entre os Poderes da República, não excluindo, completamente, a possibilidade de que um dos Poderes possa interferir no outro. Há, entretanto, previsão expressa – em Lei ou na Constituição – dos casos em que essa é intervenção legítima. Em se tratando de improbidade administrativa, só há uma hipótese tolerável de intervenção do Poder Judiciário nos demais Poderes, para afastar agentes políticos, o art. 20, parágrafo único, da Lei nº 8.429/92, devendo-se proceder com extrema cautela e ponderação. Acerca do pedido liminar de afastamento do cargo de vereador e, por consequência lógica, da função de presidente da câmara municipal de vereadores de Uiraúna/PB, por força da Lei de Improbidade Administrativo, dispõe o art. 20 da Lei nº 8.429/92: “Art. 20. A perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos só se efetivam com o trânsito em julgado da sentença condenatória. Parágrafo único. A autoridade judicial ou administrativa competente poderá determinar o afastamento do agente público do exercício do cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração, quando a medida se fizer necessária à instrução processual.”
Trago ponderação do STJ :
“O fundamento legal para o afastamento cautelar de agente público em sede de ação de improbidade administrativa está previsto no art. 20, parágrafo único,da Lei n. 8.429/1992, que assim dispõe:
“Art. 20. A perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos só se efetivam com o trânsito em julgado da sentença condenatória. Parágrafo único. A autoridade judicial ou administrativa competente poderá determinar o
afastamento do agente público do exercício do cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração, quando a medida se fizer necessária à instrução processual .” Referida norma, contudo, deve ser interpretada com temperamentos quando se refere ao
afastamento de prefeito municipal, uma vez que se volta contra agente munido de mandato eletivo. Por essa razão, a decisão judicial que determina o afastamento de alcaide deve estar devidamente fundamentada, sob pena de se constituir em indevida interferência do Poder Judiciário no Executivo” (AgRg na SLS 1630 / PA, STJ – Corte Especial, Rel. Min. Felix Fischer).
No caso dos autos, o pedido de afastamento do Vereador Municipal fundamentou-se em perpetuação das abusividades no exercício do cargo, especificamente, no superfaturamento de contratos para locação de veículos para a câmara municipal de vereadores de Uiraúna/PB. Observa-se nos autos, consoante o inquérito civil em anexo, que houve contrato(contrato
003/2019), sem licitação, com a pessoa física Francisca Valentim Duarte Martins(fls. 30/32 do ICP em anexo) locando um veículo por um valor quase 3x maior que a média de mercado. Ainda, após o encerramento do contrato citado foi instaurado o procedimento licitatório 00001/2019, cuja empresa vencedora foi a JOSÉ VALDEMAR FILHO DUARTE- ME, de propriedade
de José Valdemar Filho Duarte, que é filho de Francisca Valentim Duarte Martins, anterior contratada, em valores semelhantes ao primeiro contrato. Observa-se que, mesmo com o procedimento extrajudicial instaurado pelo Ministério Público, o tipo e a forma em que o contrato é realizado, perpetua-se, com graves indícios de superfaturamento. Para a concessão de liminar, nos moldes previstos no parágrafo único do art. 20, da Lei n.º 8.429/1992, é necessário que os argumentos e provas produzidas de plano sejam plausíveis (fumus boni iuris) e que exista fundado receio de que o réu, no cargo, venha a influir na instrução processual,
destruindo ou alterando provas (periculum in mora). O Ministério Público requereu o afastamento do requerido do cargo de vereador, vejo que se aplica ao caso o art. 11, da Lei n.º 7.347/1985, tendo em vista que a ação aqui proposta tem por objeto questão de interesse público, consubstanciado na proteção do patrimônio municipal. O dispositivo acima referido tem a seguinte redação:
“Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz determinará o cumprimento da prestação da atividade devida ou a cessação da atividade nociva, sob pena de execução específica, ou de cominação de multa diária, se esta for suficiente ou compatível, independentemente de requerimento do autor”. Assim, a preservação do interesse público, no caso em tela, importa na análise do pedido de liminar, já que a finalidade da ação de improbidade é justamente manter a Administração Pública a salvo de condutas ímprobas, como a que é imputada ao requerido. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, nos termos do art. 37, da CF/88.
Dito isto, cabe salientar que a Carta Magna em seu art. 5º, garante o amplo acesso a jurisdição, conforme: “Art. 5º XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Por sua vez, o art. 93, IX, da C.F., determina “que todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade”.
Da análise do pedido e dos documentos, verifico que resta evidenciada flagrante transgressão às normas constitucionais inerentes a Administração Pública (art. 37 da C.F.), além de prejuízos a instrução processual, ao erário público e a dignidade da justiça. Explico. É dever do requerido manter registro regular dos documentos públicos inerentes a sua gestão junto a Câmara de Vereadores, com o devido procedimento licitatório, mesmo que se enquadre nas hipóteses de dispensa ou inexigibilidade, que devem ser justificados. Por outro lado, por previsão legal do art. 37 da Constituição Federal, impõe aos administradores públicos a obediência aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, outrossim, a pedido do afastamento do requerido de suas funções junto ao legislativo municipal foi justamente para obstar atos que objetivassem frustrar a instrução processual, como o controle direto que possui sobre a documentação da câmara municipal e a perpetuação das ilegalidades demonstradas, com contratos superfaturados causando dano, diuturnamente, ao erário municipal. As provas referidas, se por um lado, ainda não foram submetidas ao contraditório, por outro, são suficientes para indicar indícios da reitera omissão dos requeridos. Eis o fumus boni iuris.
O periculum in mora mostra-se evidente, na medida em que a permanência do requerido, a frente da câmara municipal e com o poder de voto do vereador causará risco diante da perpetuação de contratos administrativos ilegais e superfaturados.
Consistente, ainda, na possibilidade de destruição/ocultação de documentos e no prolongamento indeterminado de ato atentatório aos princípios constitucionais previsto no art. 37 da Carta Mãe de 1988 que restarão em obstrução direta da instrução processual, entendo necessário o deferimento da medida pleiteada no tocante a extensão do prazo de afastamento do requerido.
Resta, assim, imprescindível para garantir o bom andamento da instrução processual na apuração das irregularidades apontadas, interesse de toda a coletividade, bem como para resguardar a continuidade das investigações em andamento sem a interferências indevidas aos principais instrumentos de prova para averiguação da regularidade/irregularidade de seus atos, consequentemente o deferimento do pedido se mostra necessário, adequado e proporcional ao caso em análise. A não intervenção do Poder Judiciário, é, sem dúvida, uma situação concreta que causará indiscutíveis e insanáveis consequências negativas à sociedade da Comarca de Uiraúna/PB, caso não seja deferido o pedido. Tal conduta, quanto mais quando perpetrada de forma reiterada, contumaz e injustificada, caracteriza ato de improbidade administrativa que fere, mortalmente, a legalidade e os deveres de lealdade institucional e eficiência funcional, visto que, a um só tempo, desrespeita o gestor público as normas legais, o devido zelo na administração da coisa pública e o dever de boa administração, ou seja, de proporcionar o funcionamento regular, organizado, produtivo e eficaz do ente público.
Em que pese a excepcionalidade da medida, o seu deferimento é medida que se impõe, vez que
resta evidente a prática de atos com fim específico de obstruir a instrução processual para apreciação
judicial de seus atos e eventual responsabilização por ato de improbidade administrativa.
Não haverá instabilidade política e institucional no deferimento do pedido, vez que o requerido
poderá ser substituído, consoante sequencia de substituição da presidência pela legislação da casa, sem
qualquer prejuízo a ordem pública, que certamente, será beneficiada com o seu afastamento, vez que além
de objetivar a instrução processual, por via indireta obsta as práticas atentatórias aos princípios da
administração pública praticadas pelo requerido, poderá ser substituído pelo Vice-Presidente da Câmara
de Vereadores em caso de ausência, impedimento ou licença do mesmo, havendo plena continuidade das
atividades do legislativo.
Portanto, evidencia-se no caso dos autos, risco de grave lesão à ordem pública, consubstanciado
na continuidade do exercício da importante função por parte do requerido sob forte investigação por ato
de improbidade administrativa, impondo-se, reitere-se, o afastamento do cargo que exerce para se
assegurar o bom andamento da instrução processual para apuração da conduta apontada, interesse de toda
a coletividade.
Por tudo isso, a necessidade da medida extrema de afastamento dos representados da função
pública que exercem é conclusão que se impõe, estando plenamente justificáveis os requisitos
preconizados no parágrafo único do artigo 20 da Lei 8.429/92.
A nossa doutrina também se inclina no mesmo sentido. Por todos, cito Arnaldo Rizzardo,
Desembargador aposentado do TJRS, o qual leciona:
“Com o afastamento, permite-se a elaboração de uma prova mais livre, já que menor a chance de
exercer o agente alguma influência, ou de atemorizar as testemunhas indicadas, ou de dificultar a
instrução processual por outra forma. É como explicam Flávio Cheim Jorge e Marcelo Abelha Rodrigues:
“A razão do afastamento do agente público, sem dúvida, é permitir a asseguração da prova, para servir a
futura instrução processual. Assim, obviamente, o requerimento cautelar deve ser feito sempre antes da
referida instrução, que se sabe ter seu marco vestibular com o início da audiência de instrução e
julgamento. Além disso, não se trata de requerer a produção de prova antecipadamente – qual seja, não
temos, aí, uma prova que será de imediato incorporada ao processo, tida como produzida, senão porque
será apenas assegurada para posterior apresentação em instrução processual… O que se quer é justamente
obter a prova, normalmente documental, realização de audiência etc, que não seria possível ou talvez
fosse inviável se agente público não fosse afastado do cargo”.2 (“Questões sobre o afastamento de titular
de mandato eletivo na fase de instrução da ação de responsabilidade civil por ato de improbidade,”em
Improbidade Administrativa -10 anos da Lei nº 8.429/92, ob. cit, p. 101.)
Indeferir a liminar postulada pode significar o abono à conduta eivada de desonestidade no
cumprimento das obrigações, causando descrédito ou perda de confiança à sociedade civil, que é a
destinatária da prestação jurisdicional.
Tem o afastamento também caráter de manutenção da ordem pública, de preservação do conceito
e da credibilidade do Poder Público. Impede-se que a ordem cívica perca a segurança jurídica e não mais
mereça a confiança popular.
Ante o exposto, com supedâneo no art. 20, parágrafo único, da Lei 8.429/1992, e com o fim de
resguardar a instrução processual e a preservação e integridade do erário público e obediência aos
princípios constitucionais inerentes a Administração Pública, CONCEDO A TUTELA DE URGÊNCIA e
DETERMINO:
O AFASTAMENTO de Amilton Fernandes da Silva do cargo de vereador e, por consequência
lógica, da função de presidente da câmara municipal de vereadores de Uiraúna/PB, pelo prazo de 180
dias, sem prejuízo de seus vencimentos.
Comunique-se a presente decisão ao Vice-Presidente da Câmara Municipal de Vereadores de
Uiraúna/PB para providenciar, na forma do Regimento Interno da Casa Legislativa, a posse como
presidente da Câmara de Vereadores de Uiraúna, enviando a documentação comprobatória do
cumprimento da decisão, no prazo de 72h (setenta e duas horas).
Oficie-se, com urgência, às instituições bancárias oficiais com as quais o Município mantém
convênio, comunicando a proibição do representado em realizar qualquer tipo de transação. Tudo sob as
penalidades da lei, em caso de desobediência (art. 330, do CP).
Nos termos do art. 17, § 7º da Lei nº 8.429/92, determino a notificação dos requeridos, para
oferecerem manifestação por escrito, que poderá ser instruída com documentos e justificações, dentro do
prazo de quinze dias.
Ciência ao Ministério Público.
Intimem-se.
Cumpra-se com urgência.
Uiraúna, data em sistema.
Fco. Thiago da